sábado, 31 de dezembro de 2011

BOM ANO



Saúde paz e amor, são os meus desejos para o ano de 2012... Feliz e próspero ano novo...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

As Palavras

A árvore das palavras. mundopessoa.blogs.sapo.pt

(...)
as palavras identificam-se com  (...)
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde
(...)
Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas.
(...)
As plavras são por vezes um clarão no dia calcinado.
(...)

António Ramos Rosa.

haikai

I.
Sob a névoa da manhã
a teia de aranha
filigrana de prata.

II.
No inverno
azul anil no céu
branco arminho na terra.

III.
É primavera
madrugada dentro
poesia de pássaros.

PM

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A mulher que passa


Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!


Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal


Neste caminho cortado
Entre pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absorve e depura
De tanta queda caída,
É que Tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre da Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.

Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.


(Reinaldo Ferreira)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

talvez mais tarde amanheça


A tarde chegou cinzenta e parda e trazia no vento torvelinhos de desgraça.
Os velhos avisados de outras tardes aconselhavam os novos a guardarem-se.
E as mulheres a esconderem-se.
O infinito entrançado do nevoeiro lançava o mesmo aviso lamuriento e gélido.
O vento esticava o nevoeiro em tiras longas como fiapos de pano.
E estes formavam imagens de fantasmas suspensos no vazio.
Não havia casas, árvores, rios ou estrelas.
Tudo estava camuflado naquele imenso aperto de cinzento.
A vida suspendeu-se.
A esta hora chega a noite e a tarde confunde-se com ela.
Talvez mais tarde amanheça….

P.M.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

arrumado em todos os aspectos...


Nada fazia prever - principalmente porque Pegeen Mike Stapleford vivia como lésbica desde os vinte e três anos - que quando ela tivesse quarenta anos e Axler sessenta e cinco se tornassem amantes que se telefonariam todas as manhãs ao acordar e sofregamente passariam juntos o tempo livre em casa dele, onde, para gáudio dele, ela se apropriou de dois compartimentos para seu uso, um dos três quartos de dormir no primeiro andar para as roupas e o escritório do rés-do-chão, ao lado da sala de estar, para o portátil. Havia lareiras em todos os compartimentos do rés-do-chão, mesmo na cozinha, e quando Pegeen estava a trabalhar no escritório tinha sempre a lareira acesa. Vivia a pouco mais de uma hora de distância dali, percorrendo estradas de montanha sinuosas e onduladas, por entre campos de cultivo, que a traziam até à propriedade dele, vinte e dois hectares de campo aberto e uma grande e antiga casa de campo branca com portadas pretas, emoldurada por plátanos antigos e grandes freixos, e muros altos de pedra tosca. Não vivia ninguém, além deles, nas redondezas. Durante os primeiros meses raramente saíam da cama antes do meio-dia. Não conseguiam estar um sem o outro.
E no entanto, antes de ela chegar, ele tinha a certeza de estar acabado: acabado para o teatro, acabado para as mulheres, para as pessoas, definitivamente acabado para a felicidade. Estava há mais de um ano com graves problemas físicos, mal conseguindo dar dois passos ou estar muito tempo de pé ou sentado, por causa das dores da coluna que tinha conseguido suportar durante toda a idade adulta mas cuja evolução debilitante se tinha acelerado com a idade - e portanto tinha a certeza de que estava arrumado em todos os aspectos.

Philip Roth, A Humilhação, Ed. Dom Quixote, 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

para a mãe, hoje




- Quem és tu? perguntou o principezinho.

Tu és bem bonita.

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Vem brincar comigo, propôs o princípe, estou tão triste...

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa.

Não me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

- O que quer dizer cativar ?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?


- Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa.

Significa criar laços...


Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 27 de novembro de 2011

Ilha dourada


A fortaleza mergulha no mar
os cansados flancos
e sonha com impossíveis
naves moiras
Tudo mais são ruas prisioneiras
e casas velhas a mirar o tédio
As gentes calam na
voz
uma vontade antiga de lágrimas
e um riquexó de sono
desce a Travessa da "Amizade"
Em pleno dia claro
vejo-te adormecer na distância,
Ilha de Moçambique,
e faço-te estes versos
de sal e esquecimento

RUI KNOFLI

terça-feira, 8 de novembro de 2011

secreto como uma cumplicidade...


"No seu aspecto mais profundo o meu conhecimento de mim próprio é obscuro, interior, inexpresso, secreto como uma cumplicidade. No seu aspecto mais impessoal, tão gelado como as teorias que eu possa elaborar acerca de números: emprego o que tenho de inteligência para ver de longe e de mais alto a minha vida, que se torna então a vida de um outro"

Marguerite Yourcenar in Memórias de Adriano, pag. 25, Editora Ulisseia, 1988

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

ardem laranjas de ouro...


Conheces o país onde floresce o limoeiro?
Por entre a rama escura ardem laranjas de ouro,
Do céu azul sopra um arzinho ligeiro,
Eis se ergue a murta calma, olha o altivo louro!
Conheces?

J.W. Goethe (1749-1832)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

hoje eu completei...


Hoje eu completei 10 anos. Fabriquei um brinquedo com
palavras. Minha mãe gostou. É assim:
De noite o silêncio estica os lírios.

Manoel de Barros

gosto solitário



Do orvalho
Nunca esqueças
O branco gosto solitário.

Matsuo Bashô 1644-1694

sábado, 29 de outubro de 2011

as árvores


Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.


Tomas Tranströmer




...as árvores desassossegadas como em toda a parte...
com a chegada da noite... 
o meu marido...
a largar as chaves na mesinha de laca sem atenção ao verniz,
o desassossego das árvores na voz dele,
um agitar de folhas, a mesma angústia nos ramos...

António Lobo Antunes
Eu Hei-de Amar Uma Pedra

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Fogo preso


Quando se ateia em nós um fogo preso,
O corpo a corpo em que ele vai girando
Faz o meu corpo arder no teu aceso
E nos calcina e assim nos vai matando
Essa luz repentina até perder alento,
E então é quando
A sombra se ilumina,
E é tudo esquecimento, tão violento e brando.
Sacode a luz o nosso ser surpreso
E devastados nós vamos a seu mando,
Nessa prisão o mundo perde o peso
E em fogo preso à noite as chamas vão pairando
E vão-se libertando
Fogo e contentamento,
A revoar num bando
De beijos tão sem tento
Que não sabemos quando
São fogo, ou água, ou vento
A revoar num bando
De beijos tão sem tento,
Que perdem o comando
Do próprio esquecimento


Vasco Graça Moura

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

vento sem abrigo

Sunshine lovers II - Elisabete da Silva

À noite como deve sentir-se solitário o vento
Quando todos apagam a luz
E quem possui um abrigo
Fecha a janela e vai dormir.

Ao meio-dia, como deve sentir-se imponente o vento
Ao pisar em incorpórea música,
Corrigindo erros do firmamento
E limpando a cena.

Pela manhã, como deve sentir-se poderoso o vento
Ao deter-se em mil auroras,
Desposando cada uma, rejeitando todas
E voando para seu esguio templo, depois.

Emily Dickinson
In Poemas Escolhidos

terça-feira, 25 de outubro de 2011

secos campos


Doente em viagem
sonho em secos campos
Ir-me enveredar"

Matsuo Bashô, 1694

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

encontrar-me...


«A partir de hoje, se alguém me quiser encontrar, procure-me entre o riso e a paixão.»

Natália Correia

A noiva sitiada




Para a igreja vos arranca
um animado e ruidoso murmurar.
na ordenada ala o sol se entorna.
Os olhares que sitiam a noiva
apalpam como mãos suas ancas seus seios.
Como a roupa de dentro colada à sua pele
cercam-na bloqueiam toda a possível greta
levantam-lhe a camisa
como se atormentando
ou lhe solicitando a escondida
fenda.


Fernando Pessoa.

A propósito do terramoto na Turquia.


“A casa caiu. A alegria toda foi embora”.
Menina Brasiliera  durante as cheias de Abril de 2010

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Um melro construido de memória.


O amarelo do bico tráz a plumagem negra,
azeviche
Já não se diz azeviche
Dizia o meu avô, se não o dissesse o melro não ficava completo
Azeviche, Substância mineral muito negra e luzidia
O melro, os olhos redondos e vigilantes
Dentro do olho um homem com uma espingarda
E no ouvido um som seco
Um estoiro-eco que faz as pernas nervosas,
aos saltos
O melro a agir como se me roubasse as amoras
Sem ter meio de entender que a amoreira plantei-a para ele lá ir comê-las
No pretexto do seu amarelo e azeviche
E de ouvi-lo
A sua glória. Onde luta pelo direito de Mozart na flauta mágica.
E ele vê-me e voa, noutra glória
Sou a dona das amoras
Pareço-lhe o homem no fundo do seu olho
Eu, o melro e o azeviche, quantos mal-entendidos!

PM

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Poema de amor sem ser


Queria um poema de amor.
Mas não tenho as palavras.
Amor não serve
está em estado de roto
com muito rosa e purpurina.
Amor é uma palavra confundida
serve para docinho, filha e abobrinha.
Eu quero palavras como pedras
sal selvagem
grito de vento
silêncio de montanha
desejo que é dor
paixão que adoece....

PM

O ar que respiras



Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar,
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que tu respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de M.B.A.

Par ser grande.


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe
quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O nevoeiro


Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


Espero, Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 12 de julho de 2011

A garça


Certas palavras têm ardimentos; outras, não.
A palavra jacaré fere a voz.
É como descer arranhado pelas escarpas de um
serrote.
É nome com verdasco de lodo no couro.
Além disso é agríope (que tem olho medonho).
Já a palavra garça tem para nós um
sombreamento de silêncios...
E o azul seleciona ela!

Manoel de Barros.

domingo, 5 de junho de 2011

Dia Mundial do Ambiente.




Acreditem, vale a pena vê-las, identificá-las e ouvi-las.

sábado, 4 de junho de 2011

Es Ser


Ele não fala. Quer dizer, não fala a mesma linguagem que os homens. Mas Lalla ouve a voz dele no interior dos seus ouvidos, e ele diz com a sua linguagem coisas muito belas que lhe perturbam o interior do seu corpo, que a fazem arrepiar-se. Talvez ele fale com o ruído ligeiro do vento que vem do fundo do espaço, ou então com o silêncio entre cada sopro de vento. Talvez fale com as palavras da luz, com as palavras que explodem em chuva de faíscas, sobre as lâminas das pedras, as palavras da areia, as palavras dos calhaus que se esboroam em pó duro, e também as palavras dos escorpiões e das serpentes que deixam os seus rastos ligeiros na poeira. Ele sabe falar com todas essas palavras e o olhar salta de uma pedra para a outra, vivo como um animal, vai num ápice até ao horizonte, sobe a direito no céu, plana mais alto que as aves.
Lalla gosta de vir aqui, ao planalto de pedra branca, para ouvir essas palavras secretas. Ela não conhece aquele a quem chama Es Ser, não sabe quem ele é, nem de onde vem, mas gosta de o encontrar naquele lugar, porque ele traz consigo, no seu olhar e na sua linguagem, o calor das terras de dunas e de areia, das regiões sem árvores e sem água.
Mesmo quando Es Ser não vem, é como se ela pudesse ver com o olhar dele. É difícil de compreender, porque é um pouco como num sonho, como se Lalla não fosse inteiramente ela própria, como se tivesse entrado no mundo que está do outro lado do olhar do homem azul.
Então aparecem as coisas belas e misteriosas. Coisas que ela nunca viu noutro lugar, que a perturbam e inquietam. Ela vê a extensão de areia cor de oiro e de enxofre, imensa, semelhante ao mar, às grandes ondas imóveis. Nessa extensão de areia, não se avista ninguém, não há uma árvore, uma erva, nada senão a sombra das dunas que se espreguiçam, que se tocam, que formam lagos ao crepúsculo. Aqui, tudo é semelhante, e é como se ela estivesse ao memso tempo aqui, e depois mais longe, lá onde o seu olhar poisa ao acaso, depois ainda noutro lugar, muito próximo do limite entre a terra e o céu. As dunas movem-se sob o seu olhar, lentamente, afastando os seus  dedos de areia. Há riachos de oiro que correm no próprio lugar, no fundo dos vales tórridos. Há ondulações duras, cozidas pelo calor terrível do sol, e grandes praias brancas de curvatura perfeita, imóveis perante o mar de areia vermelha. A luz rutila e escorre por toda a parte, a luz que nasce de todos os lados ao mesmo tempo, a luz da terra, do céu e do sol. No céu, não há fim. Apenas a bruma seca que ondula junto do horizonte, quebrando reflexos, dançando como ervas de luz - e a poeira ocre e rosa que vibra no vento frio, que sobe para o centro do céu.
Tudo isso é estranho e longínquo, embora pareça familiar. Lalla vê a sua frente, como com os olhos de um outro, o grande deserto onde a luz resplandece. Sente na pele o bafo do vento do sul, que ergue as nuvens de areia, sente sob os pés nus a areia escaldante das dunas. Sente sobretudo, por cima dela, a imensidade do céu vazio, do céu sem sombra onde brilha o Sol puro.
Então, durante muito tempo, deixa de ser ela própria; torna-se outra pessoa, distante, esquecida. Vê outras formas, silhuetas de crianças, homens, mulheres, cavalos, camelos, rebanhos de cabras; vê a forma de uma cidade, um palácio de pedra e de argila, muralhas de lama de onde saem bandos de guerreiros. Vê isso, pois não é um sonho, mas a recordação de uma outra memória em que ela entrou sem o saber.

DESERTO
J.M.G. Le Clézio

quinta-feira, 26 de maio de 2011

sábado, 21 de maio de 2011

A janela

foi então nessa noite
que amanhecemos, a nossa
nudez delatada pela cotovia

e a janela a abrir-se
para os primeiros ventos.

Renata Correia Botelho

O ninho de melro






Há um ninho de melro no cotoneaster erecto do jardim.
O canto dos melros permanece todo o dia.
Deixo-vos a melodia.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

As tuas estradas


Duas estradas separavam-se num bosque amarelo,
Que pena não poder seguir por ambas
Numa só viagem: muito tempo fiquei
Mirando uma até onde enxergava,
Quando se perdia entre os arbustos;

Depois tomei a outra, igualmente bela
E que teria talvez maior apelo,
Pois era relvada e fora de uso;
Embora, na verdade, o trânsito
As tivesse gasto quase o mesmo,

E nessa manhã nas duas houvesse
Folhas que os passos não enegreceram.
Oh, reservei a primeira para outro dia!
Mas sabia como caminhos sucedem a caminhos
E duvidava se alguma vez lá voltaria.

É com um suspiro que agora conto isto,
Tanto, tanto tempo já passado;
Duas estradas separavam-se num bosque e eu -
Eu segui pela menos viajada
E isso fez toda a diferença.

Robert Frost (1874-1963)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Inscrição para uma cabana


O caminho dos simples coberto de musgo vermelho
A janela na montanha abrindo para o azul
Invejo-te o vinho que bebes entre as flores
e todas essas borboletas que voam nos teus sonhos.

Tsian Ki (722-780)
Trad.: Jorge de Sousa Braga

vós que viveis tranquilos

Se isto é um homem
Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
     Considerai se isto é um homem
     Quem trabalha na lama
     Quem não conhece paz
     Quem luta por meio pão
     Quem morre por um sim ou por um não.
     Considerai se isto é uma mulher,
     Sem cabelos e sem nome
     Sem mais força para recordar
     Vazios os olhos e frio o regaço
     Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos virem a cara.


(No fundo
A viagem não durou mais de vinte minutos.
Depois o camião parou,
viu-se uma grande porta, encimada por uma palavras fortemente iluminadas
(a lembrança destas palavras ainda me assalta nos sonhos).
ARBEIT MACHT FREI, o trabalho liberta.

Primo Levi.
Se Isto é um Homem

domingo, 8 de maio de 2011

Parabéns (para o Pi que faz hoje 18 anos)

Tudo o que o meu pai me disse quando, aos 15 anos,
 declarei em família que iria começar a escrever poesia

"Antes
 de te sentares
 à mesa
 lava bem
 essas mãos."

Luís Filipe Parrado

sábado, 7 de maio de 2011

A lei do pão


A Katharina Seidel, A Kati-Plantão, veio de Bakowa, no Banat. Ou Alguém da sua aldeia pagou para ser tirado da lista e um estafermo a meteu lá para preencher a lacuna. Ou o estafermo era sádico e ela já estava na lista desde o início. Era deficiente mental desde a nascença e durante cinco anos não fez ideia nenhuma de onde estava.(...)

Uma noite, o acordeonista Konrad Fonn fez uma troca com a Kati-Plantão. A Kati deu-lhe o pão que era dela, mas ele pôs-lhe na mão um pedacinho quadrado de madeira. Ela deu-lhe uma dentada, ficou estupefacta e engoliu em seco. À parte o acordeonista, ninguém se riu. E o Karli Halmen tirou a tabuinha à Kati-Plantão e mergulhou-a na sopa de ervas do acordeonista. E à Kati-Plantão devolveu-lhe o pão que era dela.
Na armadilha do pão todos caem. Mas ninguém está autorizado a fazer do pão do rosto da Kati-Plantão o seu próprio. Esta lei faz igualmente parte do tribunal do pão. No campo de trabalho, aprendemos a remover os despojos dos mortos sem um arrepio de horror. Despimo-los antes que fiquem rígidos. Precisamos das roupas deles para não morrer de frio. E comemos o pão que pouparam. Após o último suspiro, a morte deles é o nosso ganho. Mas a Kati-Plantão está viva, mesmo que não saiba onde está. Sabemo-lo e tratamo-la como à nossa propriedade. Nela podemos reparar o mal que fazemos aos outros. Enquanto ela viver connosco, está assente que somos capazes de muita coisa, mas não de tudo. Esta circunstância conta provavelmente mais do que a própria Kati-Plantão.

Tudo o que eu tenho trago comigo
Herta Müller (Prémio Nobel da Literatura de 2009)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Carta à Amada

Sou mais alto do que a palmeira,
porque os meus olhos chegam às palmas,
chegam às aves voando por cima das palmas.
Sou mais longo que um rio,
porque ouço o longínquo rumor do mar
ou fechando os olhos vejo o fulgor das praias.
Sou mais poderoso do que uma leoa,
porque a minha dor escrita chega mais longe que o seu rugido,
chega às mãos da minha amada, a dor escrita,
chega mais longe que o rugido,
a dor escrita chega às mãos da minha amada.

América central, Misquitos
Versão: Herberto Helder.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

pelo amor e pelo canto


Nã sei bem de que cor é a cor do amaranto.
Mas pelo amor e pelo canto fica bem esse
amaranto aí (melhor do que se eu usasse
perpétua, que é outro nome que se põe a essa
flor) .
Amaranto murmura melhor.

Manoel de Barros.

O cheiro do vento

 
" No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."
 
Mário Quintana
 

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Maio Maduro Maio



Quem te pintou?

sábado, 30 de abril de 2011

fim de abril



Deitei a tarde pela janela e fiquei só
com a linha onde a luz se suspendeu
num tom rosado, tão calmo, quase
artificial neste fim de Abril, a descer sobre
o azul da minha voz. (...)

Não sei se tentava voltar aos braços
de alguma remota ilusão, se me fiquei
por um circuito de estilhaços ou qualquer
outra lesão silenciosa.(...)

Não era como se tivéssemos muito
a esperar das ruas, mas saímos
e depressa demos com o labirinto de excessos
na noite que o corpo nos exigia.(...)

Esquecemos tantas outras vidas.
sentados de costas para a entrada,
(...)

(...)
                                    Os dois,
como é normal, mimando e entretendo
a carne agarrada aos ossos.


Diogo Vaz Pinto
A carne agarrada aos ossos
RESUMO a poesia em 2009

quinta-feira, 28 de abril de 2011

MEMÓRIA FRESCA DO HOMEM QUE JÁ FOI MENINO.

Eu tenho memória dos campos de linho,
Do viçoso verde bordado a azul
Que a nortada embalava para uma sesta depois do meio-dia.


A memória de o separar do solo,
Da minha mãe que o tecia,
Da roca e do fuso que me tiravam o colo.


Os lençóis de linho anunciavam a primavera
Quando a sua pureza e frescura invadiam a minha cama,
Anos a fio numa juventude que julguei eterna.


A modesta flor azul já não espelha a frescura dos campos,
A nortada chega mas não tem linho para embalar.
Os lençóis dormem amarelecidos no baú,
Mas basta uma barrela e voltam a anunciar a primavera.

domingo, 17 de abril de 2011

prece de lume ao vento



O vento em burburinho pião
sem destino certo
roda no chão.

E os velhos
em rezas,
murmúrios
e, sal ao lume.

E o lume leão domado
em labareda e foguetório
desafiando o vento...

PM

sábado, 16 de abril de 2011

Três definições para o poema



o touro
que na arena é surpreendido
pela dor da lâmina

a bomba
que teme se espatifar
na casa onde um menino sonha

o corpo
que aberto sobre a maca
espera sua autópsia

Andréa Catrópa

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Na madrugada


O canto do pássaro
não é palavra
é música.


O primeiro compositor
compôs em pássaro.


Em canto de pássaro
Wolfgang acompanha Manoel.


PM

quarta-feira, 13 de abril de 2011

tecer a memória


A minha memória dos campos de linho
não entrou pelo meu olhar.

Minha mãe contava os campos de linho
com flores azuis pequenininhas
bailando na brisa
como um céu de verão.


Minha mãe levantava cedo
e dizia: a manhã está fresca
como a água das fontes
e o dia lindo como uma rosa.


E estava.


Daí eu guardei memória certa dos campos de linho
tecida pelos olhos de minha mãe.

PM

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Porque sim...

Foto gentilmente cedida pelo Autor



fiquei com a face salpicada de água.
ou será, com o peito numa fonte?
as palavras só me dobram as dúvidas

PM

O Jardim


Pomar de mil cores
Asas de regressar ao azul
Esperança de água.


Mundos de filigrana orvalhada
Luz de todas as claridades
Sementes de água


Arbustos de novelos brancos
Ócio florido de Maios
Frutos de água


Encanto de pequenas coisas
Ninhos de regressar do azul
Fontes de água

PM

domingo, 10 de abril de 2011

Lunar farside








É importante que nos lembremos do valor daquilo que não podemos tocar.
Não é verdade que o espaço vazio dentro da chávena é o que a torna útil?
Da mesma forma, o silêncio entre os passos, os espaços entre as notas musicais
e os espaços vazios no próprio espaço contêm todos os mistérios das suas formas possíveis.

Vera Mantero

sábado, 9 de abril de 2011

Lua Nova


Meu novo quarto
Virado para o nascente:
Meu quarto, de novo a cavaleiro da entrada da barra.




Depois de dez anos de pátio
Volto a tomar conhecimento da aurora.
Volto a banhar meus olhos no mênstruo incruento das madrugadas.




Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir:
Hei de aprender com ele
A partir de uma vez
- Sem medo,
Sem remorso,
Sem saudade.




Não pensem que estou aguardando a lua cheia
- Esse sol da demência
Vaga e noctâmbula.
O que eu mais quero,
O de que preciso
É de lua nova



Manuel Bandeira

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O "Quim"


O Quim é um tipo que vive no chão da vaca.
Ele coisa através dela.
Os olhos do Quim cheiram a bosta da vaca,
O seu nariz embrulha-se em imagens de erva.
O Quim coisa que mulher tem forma de vaca.
Ele anda parecido com vaca, cambado,
para não assustá-la e para não desidentificar.
Ele é manso como a vaca que ele amansa.
Quando o Quim era catraio,
no seu horizonte tinha vaca, prado e trabalho.
Se ele queria brincar, ele brincava de vaca,
com vaca.
Certo dia, o Quim parou nos nossos terreiros.
Ele era um pé-fresco que servia para brincar.
Era uma espécie de coisa falante às mijinhas.
Contamos aventuras dos cavalos das bicicletas,
da leveza da patela e da habilidade na macaca.
O Quim precisava de uma memória para nos dar.
Então, ele falou:- Quim mim puxa a vaca, vaca mim puxa Quim.
Ele ganhou o duelo.
Nenhum tinha uma memória tão fantástica!
Eu vejo o Quim de vez em vez
Agora ele tem musgo nos pés
está na idade da pedra.

PM

memória de sol


O sol segue
da nascença para a queda
entre duas dores.
A dor que separa a manhã e
a dor que ama a noite.
No deslizar entre elas deixa
uma memória de esplendor.


Para trás fica a manhã,
chilreada de asas e
orvalhada de luminosa frescância.


À frente namora a tarde
que alcançará na vizinhança.
Não há como querer fugir desse horizonte.
O Sol empina-se sobre a tarde
e cai rubreando no seu regaço.


O que fazem à noite é do conhecimento  geral.
No fim da noitada nasce a manhã.

PM

quinta-feira, 7 de abril de 2011

E danço...



Estendi cordas de campanário a campanário;
grinaldas de janela a janela;
correntes de ouro de estrela a estrela,
e danço.

Arthur Rimbaud

terça-feira, 5 de abril de 2011

Luz



A luz deste dia é tão
ave
brisa
dança
sorriso
que o meu corpo deseja ser azul.

O corpo deste dia é tão
rio
flor
fruto
folha
que a minha luz deseja ser cor.

PM