PM
Devemos ser suaves, suaves, suaves uns com os outros, porque somos muito frágeis...
sábado, 23 de janeiro de 2010
Recortar a lua
PM
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Sair
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul – o céu do dia –
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.
(If) Se
Num mundo a delirar, para quem o louco és tu.
Se podes crer em ti com toda a força da alma
Quando ninguém te crê. Se vais faminto e nu
Trilhando sem revolta um rumo solitário.
Se à torpe intolerância, se à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão.
Se podes dizer bem de quem te calunia,
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
Mas sem a afectação de um santo que oficia,
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor.
Se podes esperar sem fatigar a esperança,
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho,
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho.
Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores!
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo ao amor dos teus amores.
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu!... jamais lhe deste!
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra e sem um termo agreste
Voltares ao princípio para construir de novo.
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo já afogado em crepúsculos
Só exista a vontade a comandar – Avante!
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre,
Se vivendo entre os reis conservas a humildade
Se inimigo ou amigo, poderoso ou pobre,
São iguais para ti à luz da eternidade.
Se quem conta contigo encontra mais que a conta,
Se podes empregar os sessenta segundos
De cada minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraia em séculos fecundos.
Então, ao ser sublime o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os templos, os espaços,
Mas ainda para além um novo sol rompeu
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano
Sem recear jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te meu filho... Então serás um HOMEM!
domingo, 17 de janeiro de 2010
Páginas excepcionais # 29 "Os que ajudam"
Penso que (entre as pessoas) há dois tipos de Filosofias. As pessos que se importam e as que não se importam, as pessoas que fazem e as pessoas que Adiam e nunca fazem ou ajudam.
Cheguei a casa do escritório e não me senti bem, tu e o Phil eram muito pequenos. A mãe fez o jantar. Em vez de me sentar para comer, fui prá sala. Uma hora depois, o Dr. Weiss chegou, a mãe tinha-o chamado. Passou-se o seguinte: ele perguntou-me o que tinha. Eu disse-lhe uma dor no coração, depois de me examinar, ele disse que não encontrara nada que estivesse mal em mim. Perguntou-me o que fazia em excesso. Respondi-lhe a única coisa que me lembrava fumo muito, Que tal reduzir para três em lugar de 24 por dia, Perguntou ele. Eu disse porque não nenhum e ao fim duma semana a minha dor desapareceu Deixei completamente de fumar. A mãe preocupou-se, o Dr. Weiss aconselhou, eu ouvi, Há muitos conselheiros neste mundo, também há pessos que se importam e fazem, e pessoas que escutam, Em muitos casos salvam vidas, e há também os que exageram e abusam, os que fumam de mais e bebem de mais, tomam drogas, e também comem desalmadamente. Em cada um dos casos todas estas coisas podem causar doenças e às vezes ainda pior do que isso.
Tu querias uma casa. Eu arranjei-te logo o dinheiro para a comprares. Porquê? porque me importava. O Phil precisava de uma operação à hérnia, eu levei-o ao médico e ele foi operado. Fiz o mesmo com a mãe depois de ela sofrer durante 27 anos. Porquê porque sou uma pessoa que se importa e que faz. Suponho que os pais dela se importavam, mas eu senti a dor de ambos e fiz, não adiei. Digo ao Jon e malho nele. Uso toda a espécie de lugares-comuns, «Como», um idiota e o seu dinheiro depressa se separam) (Um tostão poupado é um tostão ganho) (qualquer dia, haverá um velho que dependerá de ti.) e quando ele perguntou quem, respondi-lhe que eras tu.)etc Não lhe digo uma vez, continuo a dizer-lho ou a Sarraziná-lo, porquê, porque ele se esquece, como um bebedor viciado, ou um drogado, etc. Porque continuo a sarrazinar? Tenho consciência de que é uma chatice, mas quando se trata de pessoas com quem me importo tento curá-las, mesmo que se oponham ou não se disciplinem... dixiplinem incluindo eu próprio. Travo muitas batalhas com a minha consciência, mas luto contra os meus pensamentos irrados. Importo-me, com as pessoas à minha maneira.
Peço-te que desculpes a ortografia e a caligrafia. Nunca fui bom a escrever, mas agora estou pior, não vejo muito bem.
O Sarrazinador,
Nome errado,
devia ser O Que Se Importa
Abraço
Roth Philip
O Património.
sábado, 16 de janeiro de 2010
a vida e o espelho
Podia transformar-se numa atitude.
Então ficarias a ver a vida
escapar-se todos os dias
com a luz do sol.
Não acreditaste nessa possibilidade.
Agora, olhando-te da rua
penso que achaste a vida.
Que ela entrou
por todos os poros do teu corpo e
em todas as ficções da tua mente
revolvendo-te em todas as direcções.
Não foi a vida que querias?
Querias uma vida cheia de razões loucas
para viver e
de emoções nunca inventadas
para morrer!
Agora tu acreditas que ficaste à janela.
Eu não.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
As pétalas negras dos melros
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
A Aldeia Vizinha
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Se eu...
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Páginas excepcionais # 28 "estrelas que escaparam"
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa
que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me
a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor."
Maria do Rosário Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes
Gótica, 2001
domingo, 10 de janeiro de 2010
Páginas excepcionais # 27 "cada qual o mundo inteiro do outro"
sábado, 9 de janeiro de 2010
A Pantera
De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.
A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.
De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.
Rainer Maria Rilke
Trad. Augusto de Campos
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Paginas excepcionais # 26 "a diversidade"
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Fios de Ariadne
Respondo que não com a cabeça.
- Foi na antiga Mesopotâmia. Extraíam as entranhas dos animais, e de seres humanos também, possivelmente, e baseavam-se na forma que tinham para prever o futuro. Apreciavam a forma complexa dos intestinos. Daí que se pode dizer que o protótipo dos labirintos reside, numa palavara, nos intestinos. O que significa que o princípio que presidiu à invenção do labirinto reside dentro de ti. E isso está de alguma fora relacionado com a noção de labirinto fora de ti.
- Mais uma metáfora - alvitro eu.
- Exactamente. Uma recíproca metáfora. As coisas no exterior são projecções do que tens dentro de ti, e o que tens dentro de ti é uma projecção do que te rodeia. Por isso, quando entras no labirinto exterior que te cerca, estás ao mesmo tempo a penetrar no teu labirinto interior. Uma odisseia perigosa, sem sombra de dúvida."
não conheces o nome que tens"
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Páginas excepcionais # 25 "gafanhotos num campo devastado"
Sabíamos em que lugar estava o medo de quem, porque já nos conhecíamos há muito tempo. Muitas vezes não nos podíamos aturar, porque estávamos dependentes uns dos outros. Tínhamos de nos ofender.
Tu mais a tua cabeça-de-alho-chocho suábia. Tu mais a tua pressa ou molenguice suábia. Tu mais a tua mania suábia de contar os tostões. Mais a tua lorpice suábia. Tu mais os teus soluços ou espirros suábios, mais as tuas peúgas ou camisas suábias, dizíamos.
Seu peida-de-bombo-da-festa suábia, seu cabeça-de-vento suábio, seu kampelsackel suábio. A fúria era tanta que nos servíamos de palavras longas que nos separavam. Inventávamo-las como pragas para ganhar distância em relação uns aos outros. O riso era duro, perfurávamos a dor. Era rápido, porque nos conhecíamos por dentro. Sabíamos exactamente o que magoava o outro. Agradava-nos vê-lo sofrer. Queríamos que sucumbisse sob o peso do amor agreste e que sentisse a rapidez da sua derrota. Cada injúria arrastava a seguinte até que o visado se calava. E ainda um pedaço depois. Durante um pedaço ainda, as palavras caíam-lhe no rosto mudo como gafanhotos num campo devastado.
Imersos no medo, tínhamos olhado mais fundo uns nos outros do que era permitido. A longa confiança obrigava-nos a uma inversão que acontecia inesperadamente. O ódio podia aparecer e destruir. Na grande proximidade uns dos outros, ceifar o amor, porque ele voltava a crescer como a erva alta. As desculpas retiravam a ofensa tão rapidamente como se consegue reter a respiração. A procura do conflito era sempre intencional, as consequências dele é que permaneciam um descuido. Passada a fúria, o amor era pronunicado sem inventar palavras. Estava sempre lá. Mas no conflito o amor tinha garras.
(...).
Todos tínhamos um amigo em cada pedacinho de nuvem
é o que acontece com os amigos onde o mundo é cheio de medos
até a minha mãe dizia que era normalíssimo
os amigos estão fora de questão
pensa em coisas mais sérias
(...)
Queria que Kurt me mostrasse a ferida. Tu e essa tua compaixão suábia de chá de camomila, disse ele. Tu e o teu medo de engraxador de aldeia, disse eu.
Surpreendíamo-nos por ainda conseguirmos inventar expressões más, longas. Mas faltava às palavras o ódio, não conseguiam magoar. Na boca só tínhamos uma compaixão pestanejante. E, em vez da ira, a felicidade embaraçada de que o intelecto tivesse sido bem-sucedido depois de tanto tempo. Sem dizer palavra, não podíamos deixar de nos perguntar se Edgar e Georg, quando voltassem à cidade, ainda estariam suficientemente vivos para magoar.
Kurt e eu rimo-nos pelo quarto dentro, como se tivéssemos de agarrar-nos um ao outro antes de os nossos rostos desatarem, de repente, a tremer como queriam. Antes de qualquer um de nós se preocupar com o controlo do canto da sua boca. Ao rir, olhávamos para a boca do outro. Sabíamos que no momento seguinte ficaríamos tão sós diante dos lábios controlados do outro como quando começassem a tremer.
Depois chegou esse momento: fechei-me no bater do meu coração e tornei-me inalcançável para Kurt. A minha frialdade não se deixava entusiasmar por qualquer palavra má, não conseguia inventar mais nada. Nos meus dedos esta frialdade era capaz de passar à violência. Por baixo da janela passou um chapéu."
Herta Müller (Prémio Nobel 2009)
A terra das Ameixas verdes (Pags. 68 e 69, 71, 111 e 112)
Difel, 2009
Flor
Pede-se a uma criança: Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis.
A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era de mais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!
José de Almada Negreiros,
A invenção do dia claro (1921).
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Atravessar o medo
clareiras de vida
Agora escrevo na coincidência e na amplitude do aberto. As pobres palavras tornam-se ardentes, unificadas, vivas evidências de uma nudez enigmática. Quantos caminhos se abrem na página respirável, quanto azul se propaga nas palavras nuas, quanta sombra pelo calor adentro!
Ramos Rosa, «Um excesso de transparência e de leveza», in Clareiras, 1986.
Citação em Edição Especial da Revista "A Phala", Um Século de Poesia
domingo, 3 de janeiro de 2010
Iluminado por dentro como as estrelas
A natureza, para o criar, serviu-se de todos os seus materiais. Nós somos um edifício construído por fora com toda a terra e iluminado, por dentro, com todas as estrelas. E nele, vive silencioso e prisioneiro, o fantasma do seu arquitecto.
Teixeira de Pascoaes, Aforismos
sábado, 2 de janeiro de 2010
Páginas excepcionais # 24 "o riso"
- Pois eu estou-me merdando para o gajo - remata Bartolomeu.
Ri-se para reafirmar o desprezo. E logo lhe sobrevém um ataque de tosse que o deixa sem respirar.
- Puta de vida - diz -, não vivemos se não nos rimos e depois morremos por nos termos rido - e conclui, após recuperar o fôlego:- O Doutor acha que sou uma anormalidade?
O médico olha para o parapeito e estremece de ver tão frágil, tão transitório aquele que é o seu único amigo em Vila Cacimba. o aro da janela surge como uma moldura da derradeira fotografia desse teimoso mecânico reformado.
- Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?
- Depende - Responde o Português.
- O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor?
- Sim.
- Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.
O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, que era um guarda-fronteira da Vida, que facilitasse uma escapadela dessas, uma breve perda de sentidos.
- Me receite um remédio para eu desmaiar.
O Português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.
- Uma marretada na cabeça é a única coisa que me ocorre.
Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior
que fomos perdendo á medida que o mundo foi deixando de ser nosso.»
Mia Couto
Venenos De Deus Remédios Do Diabo
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
decifrar a vida
los niños siguen arrojando
sus caídos dientes a la luna,
suplicando nuevos alfabetos de hueso
para nombrar la vida.
Espacio/Espaço Escrito Revista de Literatuta en dos lenguas
Números 17 y 18, Badajoz 1999/2000
DESEJO DE LIBERDADE para o novo ano (2010)
“Se o mundo se transformou numa coisa mal-humorada, isso deve-se, sem dúvida, ao facto de agora ser preciso muito dinheiro para viver. A vida é muito simples, mas tudo conspira para a tornar complicada. É quando nos vemos livres da ambição do dinheiro, do orgulho ou do poder que a vida se revela formidável.”