sexta-feira, 23 de abril de 2010

o paraíso




o medo
a pele do medo vestiram
todos os medos, deles, estão na cabeça doente
deles
(eles nas suas vozes de medo)
- Isso mata
mortos já estão eles, de medo
-Isso mata
- E se Deus lhes oferece o Paraíso?
todos na suspicácia doente a inventar a rejeição,
no seu dentro,
do paraíso
inventam motivos de triunfo da não vida,
matam o paraíso
abandonam-no
despedaçam
ferem
-Maltrapilho o Paraíso
e eles no triunfo do inferno
o paraíso só para sãos
-E há-os?
o medo não existe fora
só no seu dentro
doentes
não
sãos
-E há-os?

P.M.

terça-feira, 13 de abril de 2010

amizade


Os irmãos a amigarem-se
(a duas vozes)
- estoiro na beieiei-ça
e riem-se, olham-se, reconhecendo no outro a amizade
e um deles
- pimba no boneco
e mais risos,
e o mais pequeno
- estás a pedir um berro supersónico
e o mais velho
- levas um estoiro na bei-ça
e amam-se, assim, com gritos de guerra fingida, virilidade ensaiada,
roçam-se as flores que criaram juntos,
às vezes,
uma guerra de flores coloridas com beiças estoiros e bonecos
índios apaches da europa sem penas com guerras de flores,
palavras,
não plantas.

P.M.

máquina fotográfica


É a máquina dos afectos.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

pais/filhos

"Eu tenho três filhas e no início elas não liam. Isso de início não me preocupava, achava que era o percurso delas, nem queriam ouvir falar em escritores, porque eram as pessoas com quem eu me dava. Mas depois começaram a ler por iniciativa delas, livros que eu nem sequer gostava. Eu nem tentei que elas lessem o que eu gostava. Até porque a principal função de um pai e de uma mãe é servir para que eles não gostem de nós. O nosso amor por eles é sempre estável, mas o deles por nós é muito ambivalente e mesmo depois de mortos – o meu pai morreu há dois anos e continua a mudar dentro de mim. O julgamento que um filho faz do pai na adolescência é normalmente pautado por uma crueldade e injustiça enormes. Normalmente, começamos a conhecer melhor os nossos pais quando temos filhos. "
OvarNews
Janeiro de 2007
Entrevista a António Lobo Antunes, " Um escritor não se faz aos trinta"

A educação pela pedra

Foto da Autora


Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.


João Cabral de Melo Neto

sábado, 10 de abril de 2010

Presente


Ontem é história, amanhã é um mistério, hoje é uma dádiva, por isso lhe chamamos presente.

Shawn Farquhar