sábado, 30 de agosto de 2014

A montanha





O sol arde.
As cores da montanha
oferecem-se em sacrifício.
As rochas brancas alvejam olhos humanos.
Anjos pretos de asas largas e
voo plano, debicam a morte.
Flores minúsculas sobrevivem ao agreste.
A montanha ergue-se imponente e autoritária.
Abre suas entranhas à agua e à vertigem.
Aos hinos geológicos.
Aos ecos profundos.
O vento roxo corta os rostos
presentes e futuros.


A alma cai de joelhos onde a solidão é enigma.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Nasce Abril






Quando o medo, de tanto quebrar, se torna mais pequeno
Que a cama estreita onde se dorme
Que a roupa apertada que se veste
Que os pensamentos que se propagam
Que a liberdade que se almeja
Que a cumplicidade que se alcança
Que as asas que cresceram
Que a arte que nos enche
Nasce Abril.

PM.

ABRIL...

Sentei-me no jardim, na terra aquecida pelo soalheiro dia que se vivia.
Estava no meio das flores e do chilrear dos pássaros.
Gentilmente toquei as ásperas pedras quentes que estavam a meu lado.
Olhos do mundo.
Perto delas estava um cravo
Fraco e débil
Saudoso do lar
Uma qualquer espingarda de Abril
Uma qualquer arma da revolução...
A Liberdade
O espírito perdeu-se ou Evoluiu
O cravo vermelho foi esquecido
Mas naquele dia e nos outros eu era livre
Mesmo se nem sempre o valorizei.
Contudo
O cravo de Portugal
Ou Portugal num cravo
Jaziam no chão...
Propósitos perdidos
Ideais corrompidos.
A Liberdade não era a mesma
Coisas que não deviam ser esquecidas estavam perdidas.
Olhei o Céu e as Árvores e pedi conselhos.
Então num virar da ampulheta
Olhei à minha volta e vi cravos vermelhos
Até onde o olhar alcançava
E quem sabe mais além.
A Liberdade de Abril
Do Abril da Liberdade
Subsistia.
Estava de novo viva.
Empunhada pelos jovens.
Então peguei na mais bela das pedras que estava ao meu lado
E tentei vergá-la mas não fui capaz.
Era Portuguesa e livre.
Tal como eu
Tal como nós.

25 de Abril Sempre!!!!!!!!

Pedro de Sousa Barros, meu filho mais velho.
25 de Abril de 2008.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

de costas para a tarde...



 
“Nas tardes de chuva fina e persistente, se o amado estiver longe e o peso invisível de sua ausência for insuportável, colha de sua horta 28 folhas novas de melissa e leve-as ao fogo num litro de água, para um chá. Quando a água ferver, deixe o vapor molhar a polpa de seus dedos e mexa três vezes com uma colher de pau. Tire do fogo e deixe descansar por dois minutos. Não ponha açúcar, beba gole a gole de costas para a tarde, numa xícara branca. Se depois de meio litro você não notar certo alívio atrás do esterno, requente o chá e acrescente duas raspas de rapadura. Se no fim da tarde a agonia persistir, pode ter certeza de que ele não vai voltar. Ou vai voltar outra tarde, e já muito mudado.”
Héctor Abad
Livro de Receitas para Mulheres Tristes

terça-feira, 8 de abril de 2014

Vitória de Samotrácia




Peço perdão por serem as asas o deslumbramento 
- a ousadia perpetuada e fria - 
Embora queira falar da força do movimento
E do rosto do navio cortando o vento

Farei silêncio no que tem de comum com as estrelas
-  a contingência extrema -

Nos meus olhos os seus
livres 
de olhar para cima
para longe
para dentro.

PM




quarta-feira, 2 de abril de 2014

Poesia todos os dias

uma chuva de estrelas
lança de sol
rabanada de vento
pancada de chuva
geada de dentes
noite de lobo

uma nesga de luz

um pé de vento
banho de lua
sopro de vida
pingo de vergonha
cavaleiro branco
homem de palha
elefante branco

um manjar dos deuses

coração da cidade
dores de alma
pés de barro
rios de tinta
escrita na pedra

Anónimos



terça-feira, 1 de abril de 2014

Noite de Abril



Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera
Alguém que ela conhece.

E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.

Sophia de Mello Breyner Andresen


segunda-feira, 31 de março de 2014

Inesperadamente...



 
 
«Ai, Gasosas, que me mataste!»- uma exclamação dirigida ao recorrente, que é conhecido por aquela alcunha, e que, naquele lance supremo, denuncia um espanto - um espanto desesperado em face da morte iminente, sem dúvida -, mas também a decepção trágica ante o irremediável da morte provocada por um amigo. Há qualquer coisa de irresistivelmente tocante nessa exclamação extrema, que, no seu trágico, tem ainda o rasto expansivo da afectividade, sobrevivendo ao acto ruptural da vida que acabara de ser cometido. Como se a vítima apelasse ainda, no derradeiro momento, para a amizade do amigo, que acabara de cometer esse acto brutal, porventura sem ter medido as consequências do seu acto, essa «brincadeira» arriscada.
 
Rodrigues da Costa
in Ac. do STJ de 30.10.2003

domingo, 30 de março de 2014

Madrugada




Foto da autora

Um leve tremor precede a madrugada
Quando mar e céu na mesma cor azulam
E são mais claras as luzes dos barcos pescadores
E para além de insânias e rumores
A nossa vida se vê extasiada.

Sophia de Mello Breyner

sábado, 29 de março de 2014

LISBOA




Lisboa tem um vestido azul feito de
mar e guerra.
E cheira a laranjas maduras.
Quando as gaivotas trazem no bico
os primeiros pedaços de sol para acender o dia,
Lisboa deixa correr os cabelos pelo Tejo
e o povo pelas ruas.
À mesma hora, a coragem agita no sangue
duas grandes asas inquietas.
Por todas as janelas destruídas, já o mar entrou,
derrubando acácias,
cantando hinos de espuma
E porque toda a coragem é necessária,
toda a esperança é legítima.

Joaquim Pessoa

 
 
Se pensarmos nos Jacarandás floridos, na sua dança aérea e azul, Lisboa parece estes dias uma composição sonhada por Chagal ou Matisse.
Lisboa deve às árvores de que se esquece, uma parte eloquente da sua beleza. Elas guardam, para nós, a cor, o alfabeto vegetal do silêncio, o atalho secreto da alegria.


José Tolentino   
 
 
 
 
LISBOA
 
Corpo de velas enamoradas do vento
Alma de ópera bufa com sabor a fado
Sobre as janelas floridas dança uma luz de ouro e encantamento
Crescem marinheiros azuis com cheiro a sal e intriga
Entretanto chega a noite fresca como seda.

PM


quinta-feira, 27 de março de 2014

quando a ave disser o teu nome...





Aproximava-se a linha mais certa da vida, quando ela chegou.
Ela tinha medo que o medo dele fosse insuportável.
Toda a dor que ele pudesse ter, agora, naquela fragilidade, era um inferno nela.
Foi quando ela se lembrou da imagem das margens ou das fronteiras.
- Lembras-te quando foste a salto para França, e o "passador" ameaçou deixar-te no meio dos Pirenéus sozinho?
Ele respondeu-lhe: que aves voam do outro lado? Como vou saber que é Primavera?
Ela. Talvez quando o vento florir a pedra. Ou, a ave que nunca viste disser o teu nome.
 
PM
 
 
 
 

As tuas pegadas, o caminho!




Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar

António Machado:

terça-feira, 25 de março de 2014

A errar crescemos...



 
 
 
 
O importante não é ser perfeito, mas sim inteiro.
 Jung.


Errar, errar de novo, errar melhor.
Samuel Beckett




 

quinta-feira, 20 de março de 2014

Partilhar...






A despedida talvez seja a parte mais difícil da esperança.


Talvez o que de mais significativo somos capazes de partilhar não encontra no mundo linguagem melhor do que o silêncio.


José Tolentino Mendonça.
O Hipopótamo de Deus

domingo, 16 de março de 2014

O Nelson





É sempre no parque de estacionamento do supermercado que encontro o Nelson.
Ele aproxima-se de mim sorrateiro enquanto meto as compras na mala.
E faz-me sempre a mesma pergunta para a qual sabe de antemão a resposta.
A senhora quer comprar curitas?
Embora a pergunta já venha embrulhada num tom de desculpa e tenha o
significado: desculpe mas é só para meter conversa...
Eu ponho o sorriso mais afectuoso que tenho.
E digo-lhe, sobre a pergunta já sabes a resposta.
E enquanto procuro nas compras algo que ele goste, vou-lhe puxando o ego para cima.
Então, cá está o Nelson um rapaz bem comportado!
E ele responde-me timidamente: tem de ser.
O Nelson deve ter agora 17 ou 18 anos. Eu conheço-o desde que ele tinha três ou quatro e tocava harmónica, sentado no corredor friorento do supermercado, com um boné no chão à frente das suas pernas de chinês.
Nessa época eu ia sempre ao supermercado ao Sábado de manhã e já fazia compras específicas para ele. Bananas, yogurtes, bolachas, até cheguei a comprar-lhe uma colher para ele comer os yogurtes.
Mas a minha coroa de glória veio um dia, quando ele tinha 12 ou 13 anos .
Eu tinha estado sem o ver um período longo, um ano ou mais.
E perguntei-lhe se podia continuar a dar-lhe comida.
E ele respondeu-me, para mim até é melhor, para os meus pais é que não.
Ultimamente, quando ele se aproxima fazemos de conta que é uma festa. Onde eu sou uma anfitriã alegre  e carinhosa e ele o convidado, com direito a escolher de entre várias coisas duas ou três delas.
Gosto de pensar, enquanto ele se afasta naquele andar petulante de rapaz de etnia cigana, que posso fazer a diferença e evitar que ele se torne num segundo Agostinho.
O mundo já tem tantos Agostinhos. E eu estou tão cansada deles.
Ou melhor, estou tão cansada de fazer o meu melhor para lhe ver a pessoa toda e não só a "pobre" atitude.

PM

quinta-feira, 13 de março de 2014

Cremilde's





Foi quando dobrei a esquina que deparei com a Cremilde, vestida de domingo e a falar com as árvores da praça. Sim!
Não numa atitude poética e sigilosa mas como se a natureza a tivesse dotado de meios para ter uma conversa tu-cá, tu-lá com as árvores.
Num momento tudo se tornou claro, o sofrimento deixou de caber dentro e passou para fora escancarado e trocista. O passado saltou para o presente sem barreiras, num teatro íntimo só com um actor e as árvores, protagonistas inconscientes mas, fiéis à intimidade e às personalidades que encarnavam estáticas, o Porfírio, a Florbela, o patrão, o padre, o bebé e tudo o que nunca devia ter acontecido...
Tudo a fazer sentido a quem lhe conhecesse a vida.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Quarta feira de cinzas

 
Não temo o fogo que me adverte com suas chamas,
mas livrai-me da brasa moribunda que
se esconde sobre as cinzas.

Rabindranath Tagore.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Mas que raio! A mensagem sofreu do inconseguimento da transmissão, pelo ridículo e pretensiosismo da linguagem!? (post temporário?!)




O meu medo, eu formulá-lo-ia de modo abstracto.
É o medo do não conseguimento.
O inconseguimento de estar num centro de decisão fundamental
a que possa corresponder uma espécie de nível social frustracional derivado da crise.
Mas também tenho medo que a crise não me permita até, eu diria,
espaços de energia para ser mais criativa.
Há sempre esse medo. É também o do não conseguimento.
E tenho medo de um não conseguimento ainda mais perverso,
o da Europa se sentir pouco conseguida e de ela não projectar para o mundo
o seu soft power sagrado, a sua mística dos direitos,
a sua religião civil da dignidade humana.
Tenho medo do egoísmo, que nos deixa, de certo modo,
castrados em termos pessoais e que nos deixa castrados em termos colectivos,
 que não permita aquilo que os franceses chamam reussir;
 o conseguimento; o conseguimento pessoal e colectivo.
Tenho medo do não conseguimento.

Assunção Esteves.



quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Ambiguidades...


A pequenez de um homem anda a par
com a grandeza dos seus segredos.

PM





sábado, 1 de fevereiro de 2014

meteorologia não convencional



O Fevereiro é o mês dos pés de sol,
quando pegam temos um Março soalheiro .
 
 
O Fevereiro é um mês com temperamento bipolar.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ensaio depois do arco íris


 

Ninguém passa debaixo do arco-íris.

No arco-íris o azul é uma subtileza
 entre o roxo e o verde.
 
 
 
 
O arco-íris é um pé de sol, de riso e fantasia.





segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Só...a Luz do Sol




Querem uma Luz Melhor que a do Sol! 
AH! QUEREM uma luz melhor que
a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas
que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol
que o Sol,
O que quero é prados mais prados
que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores
que estas flores -
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!



Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa




“Eu só vou com o outro naquilo que já fui comigo mesmo”.
JUNG