domingo, 16 de março de 2014

O Nelson





É sempre no parque de estacionamento do supermercado que encontro o Nelson.
Ele aproxima-se de mim sorrateiro enquanto meto as compras na mala.
E faz-me sempre a mesma pergunta para a qual sabe de antemão a resposta.
A senhora quer comprar curitas?
Embora a pergunta já venha embrulhada num tom de desculpa e tenha o
significado: desculpe mas é só para meter conversa...
Eu ponho o sorriso mais afectuoso que tenho.
E digo-lhe, sobre a pergunta já sabes a resposta.
E enquanto procuro nas compras algo que ele goste, vou-lhe puxando o ego para cima.
Então, cá está o Nelson um rapaz bem comportado!
E ele responde-me timidamente: tem de ser.
O Nelson deve ter agora 17 ou 18 anos. Eu conheço-o desde que ele tinha três ou quatro e tocava harmónica, sentado no corredor friorento do supermercado, com um boné no chão à frente das suas pernas de chinês.
Nessa época eu ia sempre ao supermercado ao Sábado de manhã e já fazia compras específicas para ele. Bananas, yogurtes, bolachas, até cheguei a comprar-lhe uma colher para ele comer os yogurtes.
Mas a minha coroa de glória veio um dia, quando ele tinha 12 ou 13 anos .
Eu tinha estado sem o ver um período longo, um ano ou mais.
E perguntei-lhe se podia continuar a dar-lhe comida.
E ele respondeu-me, para mim até é melhor, para os meus pais é que não.
Ultimamente, quando ele se aproxima fazemos de conta que é uma festa. Onde eu sou uma anfitriã alegre  e carinhosa e ele o convidado, com direito a escolher de entre várias coisas duas ou três delas.
Gosto de pensar, enquanto ele se afasta naquele andar petulante de rapaz de etnia cigana, que posso fazer a diferença e evitar que ele se torne num segundo Agostinho.
O mundo já tem tantos Agostinhos. E eu estou tão cansada deles.
Ou melhor, estou tão cansada de fazer o meu melhor para lhe ver a pessoa toda e não só a "pobre" atitude.

PM

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