sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Paginas excepcionais # 26 "a diversidade"


"O sentimento que me unia a minha mãe, a ti e à Krisztina, era o mesmo: a mesma saudade, a mesma esperança incessante, a mesma vontade impotente e triste. Porque amamos sempre a pessoa «diferente», procuramo-la em todas as situações e variantes da vida... sabes? O maior segredo e a maior dádiva da vida, quando duas pessoas «semelhantes» se encontram. Isso é tão raro, como se a natureza impedisse com força e astúcia essa harmonia - talvez porque para a criação do mundo e para a renovação da vida necessita da tensão que se gera entre as pessoas que se procuram eternamente, mas que têm intenções e ritmos de vida opostos. Sabes, corrente alterna... onde quer que olhes, lá está essa troca de forças positivas e negativas. Quanto desespero, quanta esperança cega existe atrás dessa tal diversidade! Sim, em Arco, ouvi a voz do meu pai e percebi que o seu destino continua em mim, que tenho o mesmo carácter com os mesmos gostos que ele tinha, a minha mãe, tu e a krisztina estão na outra margem, todos têm um papel diferente, a mãe, o amigo, a amante e esposa, todavia todos desempenham o mesmo papel na minha vida. Estão na outra margem, sim, aonde nunca consigo chegar... Podes alcançar tudo na vida, podes vencer tudo à tua volta e no mundo, a vida pode oferecer-te tudo e podes tirar tudo da vida: mas nunca podes mudar os gostos, as inclinações, o ritmo da vida duma pessoa, aquela diferença que caracteriza por completo uma pessoa, a pessoa que é importante para ti, que te interessa. É a primeira vez que sinto isso em Arco, quando a Krisztina dá a volta à casa, onde a mãe morreu."


Sándor Márai
As velas ardem até ao Fim
Dom Quixote

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