sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Primeira página IV "A Madrugada"

"A Manhã vem chegando devagar, sonolenta; três quartos de hora de atraso, funcionária relapsa. Demora-se entre as nuvens, preguiçosa, abre a custo os olhos sobre o campo, ai que vontade de dormir sem despertador, dormir até não ter mais sono! Se lhe acontecer arranjar marido rico, a Manhã não mais acordará antes das onze e olhe lá. Cortinas nas janelas para evitar a luz violenta, café servido na cama. Sonhos de donzela casadoira, outra a realidade da vida, de uma funcionária subalterna, de rígidos horários. Obrigada a acordar cedíssimo para apagar as estrelas que a Noite acende com medo do escuro. A noite é uma apavorada, tem horror às trevas.
Com um beijo, a Manhã apaga cada estrela enquanto prossegue a caminhada em direcção ao horizonte. Semi-adormecida , bocejando, acontece-lhe esquecer algumas sem apagar. Ficam as pobres acesas na claridade, tentando inutilmente brilhar durante o dia, uma tristeza. Depois a Manhã esquenta o sol, trabalho cansativo, tarefa para gigantes e não para tão delicada rapariga."


Jorge Amado in o Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

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