quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Casa de Juízo

(...)
E pela terceira vez Deus abriu o Livro da Vida do Homem. E Deus disse ao Homem: " Má foi a tua vida, e com o mal pagaste o bom e com maldade a doçura. Às mãos que te alimentaram feriste e aos seios que te amamentaram desprezaste. O que veio para ti com água foi de ti sedento e aos homens banidos que te esconderam de noite nas suas tendas traíste tu antes da madrugada. Ao teu inimigo que te poupou [apanhaste] numa emboscada, e ao amigo que andava contigo vendeste por um preço e aos que te trouxeram Amor deste em troca luxúria."
E o Homem respondeu e disse: "Tudo isso eu fiz."
E Deus fechou o Livro da Vida do Homem e dissse: " Por certo que te mandarei para o Inferno. Mesmo para o inferno te mandarei."
E o Homem gritou: "Não podes."
E Deus disse ao Homem: "Por que não te posso eu mandar para o Inferno, e por que razão?"
"Porque no Inferno tenho eu sempre vivido" respondeu o Homem.
E houve silêncio na Casa de Juízo.
E depois de um tempo Deus falou e disse ao Homem: Visto que não te posso mandar para o Inferno, por certo te mandarei para o Céu. Mesmo para o Céu te mandarei."
E o Homem clamou: " Não podes."
E Deus disse ao Homem: " Por que não te poderei eu mandar para o Céu, e por que razão?"
"Porque nunca e em nenhum lugar pude imaginá-lo" respondeu o Homem.
E houve silêncio na casa de Juízo.


excerto de poema em prosa de Oscar Wilde, traduzido por Fernando Pessoa e publicado na revista Egoísta, Número especial de Junho de 2008, dedicado a Fernando Pessoa.

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