quinta-feira, 26 de maio de 2011

sábado, 21 de maio de 2011

A janela

foi então nessa noite
que amanhecemos, a nossa
nudez delatada pela cotovia

e a janela a abrir-se
para os primeiros ventos.

Renata Correia Botelho

O ninho de melro






Há um ninho de melro no cotoneaster erecto do jardim.
O canto dos melros permanece todo o dia.
Deixo-vos a melodia.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

As tuas estradas


Duas estradas separavam-se num bosque amarelo,
Que pena não poder seguir por ambas
Numa só viagem: muito tempo fiquei
Mirando uma até onde enxergava,
Quando se perdia entre os arbustos;

Depois tomei a outra, igualmente bela
E que teria talvez maior apelo,
Pois era relvada e fora de uso;
Embora, na verdade, o trânsito
As tivesse gasto quase o mesmo,

E nessa manhã nas duas houvesse
Folhas que os passos não enegreceram.
Oh, reservei a primeira para outro dia!
Mas sabia como caminhos sucedem a caminhos
E duvidava se alguma vez lá voltaria.

É com um suspiro que agora conto isto,
Tanto, tanto tempo já passado;
Duas estradas separavam-se num bosque e eu -
Eu segui pela menos viajada
E isso fez toda a diferença.

Robert Frost (1874-1963)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Inscrição para uma cabana


O caminho dos simples coberto de musgo vermelho
A janela na montanha abrindo para o azul
Invejo-te o vinho que bebes entre as flores
e todas essas borboletas que voam nos teus sonhos.

Tsian Ki (722-780)
Trad.: Jorge de Sousa Braga

vós que viveis tranquilos

Se isto é um homem
Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
     Considerai se isto é um homem
     Quem trabalha na lama
     Quem não conhece paz
     Quem luta por meio pão
     Quem morre por um sim ou por um não.
     Considerai se isto é uma mulher,
     Sem cabelos e sem nome
     Sem mais força para recordar
     Vazios os olhos e frio o regaço
     Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos virem a cara.


(No fundo
A viagem não durou mais de vinte minutos.
Depois o camião parou,
viu-se uma grande porta, encimada por uma palavras fortemente iluminadas
(a lembrança destas palavras ainda me assalta nos sonhos).
ARBEIT MACHT FREI, o trabalho liberta.

Primo Levi.
Se Isto é um Homem

domingo, 8 de maio de 2011

Parabéns (para o Pi que faz hoje 18 anos)

Tudo o que o meu pai me disse quando, aos 15 anos,
 declarei em família que iria começar a escrever poesia

"Antes
 de te sentares
 à mesa
 lava bem
 essas mãos."

Luís Filipe Parrado

sábado, 7 de maio de 2011

A lei do pão


A Katharina Seidel, A Kati-Plantão, veio de Bakowa, no Banat. Ou Alguém da sua aldeia pagou para ser tirado da lista e um estafermo a meteu lá para preencher a lacuna. Ou o estafermo era sádico e ela já estava na lista desde o início. Era deficiente mental desde a nascença e durante cinco anos não fez ideia nenhuma de onde estava.(...)

Uma noite, o acordeonista Konrad Fonn fez uma troca com a Kati-Plantão. A Kati deu-lhe o pão que era dela, mas ele pôs-lhe na mão um pedacinho quadrado de madeira. Ela deu-lhe uma dentada, ficou estupefacta e engoliu em seco. À parte o acordeonista, ninguém se riu. E o Karli Halmen tirou a tabuinha à Kati-Plantão e mergulhou-a na sopa de ervas do acordeonista. E à Kati-Plantão devolveu-lhe o pão que era dela.
Na armadilha do pão todos caem. Mas ninguém está autorizado a fazer do pão do rosto da Kati-Plantão o seu próprio. Esta lei faz igualmente parte do tribunal do pão. No campo de trabalho, aprendemos a remover os despojos dos mortos sem um arrepio de horror. Despimo-los antes que fiquem rígidos. Precisamos das roupas deles para não morrer de frio. E comemos o pão que pouparam. Após o último suspiro, a morte deles é o nosso ganho. Mas a Kati-Plantão está viva, mesmo que não saiba onde está. Sabemo-lo e tratamo-la como à nossa propriedade. Nela podemos reparar o mal que fazemos aos outros. Enquanto ela viver connosco, está assente que somos capazes de muita coisa, mas não de tudo. Esta circunstância conta provavelmente mais do que a própria Kati-Plantão.

Tudo o que eu tenho trago comigo
Herta Müller (Prémio Nobel da Literatura de 2009)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Carta à Amada

Sou mais alto do que a palmeira,
porque os meus olhos chegam às palmas,
chegam às aves voando por cima das palmas.
Sou mais longo que um rio,
porque ouço o longínquo rumor do mar
ou fechando os olhos vejo o fulgor das praias.
Sou mais poderoso do que uma leoa,
porque a minha dor escrita chega mais longe que o seu rugido,
chega às mãos da minha amada, a dor escrita,
chega mais longe que o rugido,
a dor escrita chega às mãos da minha amada.

América central, Misquitos
Versão: Herberto Helder.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

pelo amor e pelo canto


Nã sei bem de que cor é a cor do amaranto.
Mas pelo amor e pelo canto fica bem esse
amaranto aí (melhor do que se eu usasse
perpétua, que é outro nome que se põe a essa
flor) .
Amaranto murmura melhor.

Manoel de Barros.

O cheiro do vento

 
" No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."
 
Mário Quintana
 

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Maio Maduro Maio



Quem te pintou?