quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Primeiras páginas III "O Imperador"


«Fecho os olhos para viver. Para matar também. E nisso sou o mais forte, pois ele só os fecha para dormir, e o próprio sono não lhe traz nenhum alívio. As suas trevas são habitadas por mortos, assombradas por crueldades. Eu sei que ele não gosta do repouso, tal como todos os grandes da terra. O repouso deixa-o a sós com a consciência e os remorsos, com o arrependimento de ter agido sempre como um poderoso, ou seja, como um homem aterrorizado pelo seu poder. Uma vez, há cinco anos atrás, encontrei-o no templo, de manhã, ainda mal acordado. Tinha os olhos vermelhos, inchados de fadiga, e não tinha coragem de os fixar nos nossos, com medo de que pudéssemos decifrar neles o nome ou as feições dos que o tinham atormentado durante a noite. Adoram-no como a um deus, mas ninguém o ama. Porque ele é o autor da Paz, em geral, e criou o maior império de todos os tempos, mas é também o autor do Medo, em particular, o medo dos outros e o seu próprio medo.
A tempestade de neve faz vibrar o tecto. O mar geme ao longe, as vagas, na noite, transformam-se em longos fantasmas de gelo. Amanhã as pessoas poderão passear sobre os peixes, e um vizinho qualquer, mais robusto do que eu, deverá abrir na espessura da neve um caminho até à minha porta, para eu poder sair.»


Vintila Horia, in Deus nasceu no exílio, Ambar.

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