Já alguém sentiu a loucura vestir de repente o nosso corpo? Já. E tomar a forma dos objectos? Sim. E acender relâmpagos no pensamento? Também. E às vezes parece ser o fim? Exactamente. Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima? Tal e qual. E depois mostrar-nos o que há-de vir muito melhor do que está? E dar-nos a cheirar uma cor que nos faz seguir viagem sem paragem nem resignação? E sentirmo-nos empurrados pelos rins na aula de descer abismos e fazer dos abismos descidas de recreio e covas de encher novidade? E de uns fazer gigantes e de outros alienados? E fazer frente ao impossível atrevidamente e ganhar-lhe, e ganhar-lhe ao ponto do impossível ficar possível? E quando tudo parece perfeito poder-se ir ainda mais além? E isto de desencantar vidas aos que julgam que a vida é só uma? E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu só, loucura, és capaz de transformar o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais. Só tu és capaz de fazer que tenham razão tantas razões que hão-de viver juntas. Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta. Só tu tens asas para dar a quem tas vier buscar.
Almada Negreiros
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