sábado, 7 de maio de 2011

A lei do pão


A Katharina Seidel, A Kati-Plantão, veio de Bakowa, no Banat. Ou Alguém da sua aldeia pagou para ser tirado da lista e um estafermo a meteu lá para preencher a lacuna. Ou o estafermo era sádico e ela já estava na lista desde o início. Era deficiente mental desde a nascença e durante cinco anos não fez ideia nenhuma de onde estava.(...)

Uma noite, o acordeonista Konrad Fonn fez uma troca com a Kati-Plantão. A Kati deu-lhe o pão que era dela, mas ele pôs-lhe na mão um pedacinho quadrado de madeira. Ela deu-lhe uma dentada, ficou estupefacta e engoliu em seco. À parte o acordeonista, ninguém se riu. E o Karli Halmen tirou a tabuinha à Kati-Plantão e mergulhou-a na sopa de ervas do acordeonista. E à Kati-Plantão devolveu-lhe o pão que era dela.
Na armadilha do pão todos caem. Mas ninguém está autorizado a fazer do pão do rosto da Kati-Plantão o seu próprio. Esta lei faz igualmente parte do tribunal do pão. No campo de trabalho, aprendemos a remover os despojos dos mortos sem um arrepio de horror. Despimo-los antes que fiquem rígidos. Precisamos das roupas deles para não morrer de frio. E comemos o pão que pouparam. Após o último suspiro, a morte deles é o nosso ganho. Mas a Kati-Plantão está viva, mesmo que não saiba onde está. Sabemo-lo e tratamo-la como à nossa propriedade. Nela podemos reparar o mal que fazemos aos outros. Enquanto ela viver connosco, está assente que somos capazes de muita coisa, mas não de tudo. Esta circunstância conta provavelmente mais do que a própria Kati-Plantão.

Tudo o que eu tenho trago comigo
Herta Müller (Prémio Nobel da Literatura de 2009)

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